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Nevermind completa 20 anos


Postado em 26/09/2011

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Mesmo após vinte anos, ainda é difícil pensar em "Nevermind" com clareza. Não pelo fato de distinguir o que ele representa, simboliza ou significa: de um modo ou de outro, qualquer pessoa ligada em rock sabe da importância do disco (ou, ao menos, o compreende como um momento marcante da música). É que pensar em "Nevermind" traz à tona, quase que inevitavelmente, uma série de outras questões paralelas que, de tão "íntimas", integram-se à própria história do álbum e passam a ditar, mesmo que indiretamente, os passos e caminhos dessa "reflexão".

Em duas décadas, muita água passou sob a capenga ponte do rock n' roll mas, quando o tema de debate é o segundo disco do Nirvana, as perspectivas ainda permanecem as mesmas. Vinte anos depois, não seria oportuno evidenciar uma nova forma de ver, ouvir e pensar "Nevermind"?

A questão não é fácil, e desde já alerta-se que talvez não seja possível encontrar um novo ponto de vista para "Nevermind". Afinal, nem mesmo os 7.300 dias de vida recém completados pelo álbum foram capazes de descredenciar alguns bordões que, de tão utilizados, acabaram por se tornar banais. Muito provavelmente, "Nevermind" foi, sim, o disco mais importante dos nineties, uma constatação que não deve ser descartada de pronto por quem quer que seja. Mas, hoje, talvez mais importante do que tal reconhecimento seja compreender não apenas as implicações imediatas para a música após aquele 24 de setembro de 1991, mas principalmente decifrar qual a mensagem que atualmente "Nevermind" traduz entre suas faixas.

Essa mensagem, como bem se sabe, começou a ser escrita há vinte anos. O riff inicial de "Smells Like Teen Spirit" não é apenas a abertura de "Nevermind" (tão direta quanto um golpe no plexo), é também o pórtico de um novo momento cultural, de um novo modo de ver e compreender aquilo que se passava. Em 1991, enquanto a Guerra do Golfo dava seus primeiros passos e movimentações intensas ocorriam nos setores sociais americanos, o cenário musical era, no mínimo, opaco. A década de 90 já havia formalmente começado, mas a poeira dos eighties ainda restava impregnada por todos os cantos, rostos e almas - era uma nova época, mas sem uma identidade cultural estabelecida; muito se queria falar (e reclamar), mas a única voz presente ainda manifestava a tonalidade acrítica da cultura pop dos anos 80.

Quando "Nevermind" estourou e suas 42.351 cópias iniciais foram vendidas em poucas semanas, toda uma geração de jovens parecia ter encontrado a sua voz, um caminho a seguir, uma identidade a ostentar. Mas tal quadro não é tão simples: Kurt Cobain pode ter sido eleito como a voz de sua geração, o arauto de uma revolução; mas, com plena certeza, seus seguidores sequer entendiam com clareza o que ele, Kurt, cantava em suas canções - e muitos ainda hoje sequer esboçam qualquer tipo de compreensão.

Mas a mensagem em si, na verdade, não importava. Com o Nirvana, Kurt Cobain fez uma releitura própria do lema punk "do it yourself" e o apresentou mastigado a toda uma platéia que já começava a se conformar com sua posição de espectador. Há poucas semanas, foi inaugurado um web site especial aos 20 anos de "Nevermind", onde qualquer pessoa pode postar seu testemunho sobre o disco. As mensagens recorrentes são a de que o Nirvana (e, logicamente, Kurt em especial) mostrou que é possível, sim, fazer acontecer, mesmo que ninguém entenda o que está acontecendo.

Um dos depoimentos diz, nesses termos: "Quando Axl Rose surgiu, tinha certeza que continuaria a ser, sempre, um empregado. A música era impossível. Quando Kurt apareceu, percebi que eu também poderia ser alguém, que também tinha voz". Com o Nirvana, toda a velha estrutura da música e do rock n' roll ruiu; a cada aparição, a cada show, a cada cópia vendida era como os antigos "arquitetos" do mainstream levassem, literalmente, um tapa na cara. Ao mesmo tempo que a música recuperou som e fúria pela linguagem incompreensível de um "caipira" de Aberdeen, todo o resto passou a arrefecer; e esse foi, talvez, na história recente, o melhor momento musical que o rock n' roll viveu. E se Kurt Cobain é o rosto ao qual esse momento se conecta, certamente "Nevermind" representa o seu símbolo maior.

Não se contesta, portanto, a importância do disco, nem mesmo a figura de Cobain, talvez o último verdadeiro artista que o rock n' roll viu nascer e morrer pela sua própria arte. Depois do Nirvana, pouca coisa de relevância musical acabou por acontecer. Não faltaram momentos de brilho com britpop e outras vertentes; não faltaram extensas turnês furadas de reunião, reaparições de fantasmas insepultos ou de novas promessas que se perderam no caminho. Mas nada disso correspondeu às expectativas formadas sobre o que viria depois do Nirvana e de "Nevermind". Há quem diga que Kurt não salvou o rock, e sim o sepultou - aliás, hoje é muito mais fácil encontrar quem questione o Nirvana e (literalmente) odeie Cobain do que realmente entenda o que tudo aquilo representou. Kurt Cobain soube, como poucos souberam, transformar dor em arte: abriu mão de "arder" aos poucos para queimar intensamente e, com ele, fez surgir e desaparecer uma identidade, uma voz que toda uma geração achou que tivesse encontrado - e justamente por isso é que se torna difícil pensar com clareza em Kurt, em Nirvana e em "Nevermind", principalmente quando se sabe como tal história se encerra.

No meio desses entraves todos, entre críticas e apontamentos, é que vem bem calhar a pergunta feita pelo editorial da revista americana Spin, que serve também de embalo para essas linhas: "o que 'Nevermind' significa hoje?" As respostas possíveis são muitas, mas quase todas decorrem de um pessimismo intermitente e incomodamente claro.

Hoje, vivemos (assim como no florejar da década de 90) um momento intenso. O processo de globalização permite que as sociedades de diversos Estados sintam, em medida bastante similar a presença do espectro de um mesmo fantasma. Talvez mais do que nunca, toda uma geração, arrastada pelos braços da hipermodernidade, sinta o mesmo medo e partilhe dos mesmos desejos. E no verso desta moeda, ainda está ausente o traço cultural, a voz, a identidade que a música, com sua força, pode prover. Talvez, um novo modo de ver, ouvir e pensar em "Nevermind" signifique, hoje, a evidência de um momento culturalmente vazio, onde arte não se sente ou se compreende, mas, literalmente, se consome.

Muitos acreditaram ser possível fazer surgir um novo Nirvana, um novo Kurt Cobain; limitou-se, então, a esperar. Mas talvez o mundo hoje, com seu dinamismo instantâneo e com seu crescente individualismo, não comporte o surgimento de um novo "Nevermind" - e isso porque em ironia literal tal possibilidade, para muitos, verdadeiramente "não importa". O que se oferece atualmente parece ser o suficiente: uma identidade fútil que se vende em rádios e se disponibiliza pela rede, que mais amarra o pensamento do que o coloca em xeque, evitando um novo modo de ver as coisas.

Enquanto "Nevermind" não renasce, nos conformamos em "ler" o presente com os versos dos artistas cujo tempo não é esse, cujo momento há muito já passou. Já se foram 20 anos, e talvez mais vinte venham sem que nada se altere. O que se pode fazer nesse momento é deitar os olhos e buscar na memória a ocasião em na qual ouvimos esse disco pela primeira vez - essa é a homenagem justa que se pode ofertar a "Nevermind".

Artigo escrito pelo nosso colaborador Rafael Corrêa




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