Resenha do Cd Se O Caso é Chorar / Tom Zé

SE O CASO É CHORAR title=

SE O CASO É CHORAR
TOM ZÉ
1972

CONTINENTAL
Por Guilherme Cruz

A primeira metade da década de 1970 no Brasil ficou conhecida como “anos de chumbo” por ter sido a fase mais agressiva e opressora da ditadura. Sob o governo Médici a censura, os desaparecimentos, as torturas e os assassinatos ganharam mais força. Nesse contexto poucas eram as pessoas que se erguiam para lutar fora das guerrilhas que agiam pelo país, enfrentar a ditadura era feito pela “fresta”, ou seja, as pessoas liam livros e ouviam discos proibidos escondidos em suas casas, os pais ensinavam seus filhos a não acreditar nas ideologias vinculadas pelos militares e os artistas encapavam seus trabalhos com metáforas e mensagens subliminares, escondendo por trás de figuras de linguagens suas verdadeiras mensagens. Neste disco, Tom Zé vai cantar os efeitos desta violenta ditadura, como ela afetava as pessoas, cantando a coisa mais palpável, o sofrimento.

Trabalhando com o paradoxo entre o título “Happy End” e o conteúdo da música, que versa sobre o fim de uma relação, Tom Zé abre o disco com um samba de estrutura e tema clássico, o fim de um relacionamento e as feridas que ele deixa. No entanto o fim das coisas torna-se um convite para superá-las. “Frevo” é uma música sobre a volta por cima, a busca pelo pecado que cura o coração partido.

Na canção “A Baba” Tom Zé expõe as dúvidas com as quais a geração dos anos 1970 tanto se debatiam, como no verso “Quem é que está passando dinamite na cabeça do século?”. A busca por se encontrar e encontrar as bases de uma sociedade presa dentro de uma feroz ditadura, sem heróis e sem ideologias, se faz no questionamento, na autocrítica.

Dentro de um contexto de opressão, onde encaramos um medo cotidiano, Tom Zé ironiza o discurso dos militares criando “Menina, Amanhã de Manhã (O Sonho Voltou)”. A letra expõe a felicidade como imposta sobre nós, aqui, somos obrigados a ser felizes: “De baixo da cama ninguém se esconde/ A felicidade vai/ Desabar sobre os homens”.

Retomando as brincadeiras com as palavras e os sons, tão explorado no disco anterior, “Dor e Dor” versa sobre a separação, mas não pelo viés das sensações em si, e sim pela dor física da perda.

Mesmo a felicidade nos sendo imposta, a vida do homem burguês é apodrecida por sua própria estrutura. “Senhor Cidadão” aponta a falsidade e a tristeza que permeia a sociedade tida como “normal”, e questiona “Com quantos quilos de medo/ Se faz uma tradição?”. Dentro desta sociedade moderna, em que o novo devora o antigo, a metáfora usada em “A Briga do Edifício Itália e do Hilton Hotel” revela essa “briga” entre o passado buscando resistir ao futuro que devora o que lhe é anterior.

Após o fim, o eu-lírico rumina sua melancolia em “O Anfitrião”, abrindo a “porta” de seu coração para que a dor possa entrar.
Usando a máxima de Caminha, Tom Zé vai contar sobre a fertilidade de sua terra natal, “O Abacaxi de Irará” e sua lenda como afrodisíaco. Ainda rememorando a vida natural de sua terra, ele recupera a árvore que fornece óleo perfumado, “O Sândalo”, como metáfora sobre a hipocrisia de quem comete algo de errado e “lava” sua consciência perfumando-a com essência de sândalo.
Não é apenas de melancolia e dor que se encara os findares, na canção “Se o Caso é Chorar” o luto é elaborado, aqui chora-se a dor para liberá-la, o fim é aceito e vamos “Rever os amigos”, coisas que constituem o processo de superação do sofrimento.

Após encarar a agressão da modernidade, da opressão de uma sociedade impositiva e as múltiplas formas de dor que o fim nos desperta, Tom Zé nos deixa uma mensagem otimista. “Sonho Colorido de um Pintor” finaliza o disco para nos dizer que não importa contra o que iremos lutar, todos nós temos o pincel para colorir nosso mundo, temos o poder de criar painéis e cenários, alterando, com cores vivas, tudo à nossa volta.

Usando como metáfora o fim das relações, Tom Zé desenvolve as várias formas com as quais podemos encarar a dor, diversas músicas neste disco têm visões diferentes sobre como lidamos com ela. Numa época de ditadura, em que a dor e o medo são presentes, este disco explora as possíveis causas do sofrimento, como a imposição, a modernidade, o medo, e deixará fluir as consequências desses sentimentos. Contudo, no fim nos é lembrado que o poder para mudar o que queremos sempre está em nossas mãos.

Resenha Publicada em 29/08/2016





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