Por Valdir Junior
A relação de George Harrison com o sucesso e o “mundo material” sempre foram ambíguas, ele almejava sucesso, fama e ao mesmo tempo queria estar distante disso tudo. No auge da beatlemania já se mostrava o mais arredio dos quatro com relação a bajulação em volta deles e até o final de seus dias manteve uma boa distância do “show business” tanto da sua vida pessoal como de sua música.
Isso acabou criando alguns “problemas” entre George e as grandes gravadoras. Depois que seus álbuns “All Things Must Pass” e “Living In The Material World” se tornaram sucesso tanto de público quanto de crítica, a cobrança por mais discos de sucesso foi inevitável (isso sem falar a nada saudável comparação entre os trabalhos solos dos outros Beatles), o que acabou deixando George cada vez mais resistente e relutante a todo esse processo.
Vindo de dois discos muito rechaçados, criticados e de pouco sucesso comercial (“Dark Horse” e “Extra Texture”) e também cansado dos processos e batalhas judiciais que vinha enfrentando desde o início da década de 1970 (Beatles/Apple, plágio de “He So Fine/My Sweet Lord” e o processo da A&M com relação ao atraso de entrega do álbum Thirty Three & 1/3), George passou dois anos descansando e viajando pelo mundo, cuidando do seu jardim e curtindo a vida em família.
Lançado em Fevereiro de 1979 e intitulado apenas “George Harrison”, o disco reflete e é fruto, mais do que qualquer outro disco de George, do período de paz e alegria que ele estava passando. O nascimento de seu filho Dhani em Agosto de 1978 e o casamento com Olivia Trinidad Arias, são dois exemplos desses momentos.
Gravado no estúdio da casa de George em Frias Park, Henley-on-Thames, Inglaterra e co-produzido por Russ Tilteman (que mais tarde produziria o “Unplugged” e outros discos de Eric Clapton), o álbum tem participações de Clapton, Steve Winwood, Gary Wright e Ray Cooper.
Com uma sonoridade bem pop, melodias inspiradíssimas e uma guitarra “slide” mais certeira do que nunca, além de timbres e passagens que nos fazem chegar até o paraíso, o álbum está repleto de excelente canções, muitas delas se tornaram clássicos na carreira de George, começando com a maravilhosa "Love Comes to Everyone" com sua mensagem otimista e positiva da busca do amor, tem Eric Clapton tocando no introdução da mesma (anos depois ele a gravaria para seu álbum “Back Home”).
Para esse álbum George resgatou “Not Guilty”, faixa que compôs na Índia em 1968 e que os Beatles gravaram nas sessões do “Álbum Branco”, mas que ficou de fora do disco e aqui aparece em uma versão mais calma, quase acústica diferente da versão original, mais pesada e com um som bem próximo do que o Cream e Jimi Hendrix faziam na época, e que mundo só viria a conhecer em bootlegs e, mais tarde, oficialmente no “Anthology Vol.3” dos Beatles em 1996.
O passado Beatle de George, pelo menos nesse álbum, parece não ter sido tão pesado assim para ele, já que algumas faixas direta ou indiretamente fazem refêrencia a composições suas na banda. É o caso de “Here Comes The Moon” que como sua “irmã ensolarada” é uma ode de George a uma noite no Hawai com uma bela lua cheia iluminando o mundo. “Your Love Is Forever” carrega a mesma sinceridade, paixão, lirismo e emoção que “Somenthing”, e tem uma das mais belas harmonias, arpejos e timbres de guitarra de toda carreira de Harrison, o solo de “slide” é curto, mas de uma intensidade inacreditável.
Um dos grandes sucessos do álbum é “Blow Away”, faixa em que a guitarra slide de George está mais evidente e onde também ele consegue transmitir toda uma mensagem espiritual de compaixão e alegria de forma simples sem ser doutrinário ou chato. A música tem um vídeo clip muito legal e que rodou o mundo com sucesso, onde George aparece interagindo com os brinquedos de seu filho Dhani. A emotiva “Dark Sweet Lady” composta para sua mulher Olivia, tem um estilo bem latino/hawaiano e é uma das músicas pouco lembradas de George.
“If You Believe” composta na noite de ano novo de 1977/78 em parceria com o tecladista Gary Wright, é uma das músicas mais legais e “pra cima” de George, não há como não se contagiar com a energia e mensagem otimista de podermos fazer tudo que quisermos se acreditar-mos. “Faster” é a homenagem de George a uma das suas grandes paixões, as corridas de F-1, inspirada nos pilotos Jackie Stewart e Niki Lauda, a música consegue contagiar até aqueles que não gostam de F-1. Rendeu também um vídeo com uma breve participação de Emerson Fittipaldi.
"Soft-Hearted Hana" e "Soft Touch" são duas músicas que podem não estar no mesmo patamar das outras, mas fazem jus a estarem no álbum, são reflexivas bem ao estilo que George desenvolveu ao longo de sua carreira e onde sua guitarra continuou gentilmente suspirando a cada nota e a cada frase.
Com esse disco George teve bastante retorno tanto de crítica como comercial e obviamente ficou muito feliz com isso, deixando-o mais otimista para continuar compondo e gravando, mas logo ele viria a ter mais desgosto e decepção “com o mundo material”, já que seus próximos álbuns “Somewhere in England” e “Gone Troppo” sofreram interferência da gravadora Warner na época, coisa que desagradou e muito George, afastando-o dos discos e das rádios até 1987 quando lançou o excelente “Cloud Nine”.
Com o passar do tempo o álbum “George Harrison” assim como outros de sua carreira acabaram ficando de lado ou eclipsados por álbuns como “All Things Must Pass” e
“Cloud Nine”, mas merece e dever ser redescoberto, pois nele podemos encontrar uma faceta pouco falada de George: a sua alegria de viver e de repartir isso com seus fãs e com o grande público em geral.