Por Johnny Paul Soares
Neil Young é um artista de muitos ares musicais, gravando álbum após álbum sempre variando entre o Folk, Rock'n Roll, o Country e Country Rock. "Live Rust" é uma pedrada sonora, uma avalanche de sentimentos difícil de serem explicadas em palavras, por mais que o mais sábio saiba balancear a razão e a emoção. Por trás de cenários acústicos e viscerais com a sua banda de apoio favorita, a Crazy Horse, Neil Young terminou o final da década de 70 em explosão (não estou falando nada de mídia comercial).
Gravado durante a turnê de "Rust Never Sleeps" (1978), Neil Young & Crazy Horse registraram um dos melhores discos duplos ao vivo da história da música, em impecáveis interpretações que ultrapassaram temas de seus álbuns de estúdio.
O show é dividido em duas partes, sendo a primeira acústica, onde o canadense começa com "Sugar Mountain", seguida da emblemática e suave "I Am A Child". Na sequência, uma das canções mais lindas de sua carreira e a que ele mesmo diz ser daquelas que tocam seu coração e que tem sentido em sua vida pessoal, onde ele mesmo cita em sua autobiografia, lançada no Brasil em 2012. "After the Gold Rush" arrepia até os pelos do joelho quando o piano começa e o público enlouquece, para então largá-lo de canto e dar início ao seu hino do Rock 'n Roll: "My My Hey Hey (Out of the Blue)", colocando um ponto final em seu número acústico e dando espaço à Billy Talbot (baixo), Frank Sampedro (guitarra, teclado e backin' vocais) e Ralph Molina (bateria), a grande Crazy Horse para interpretar montanhas de decibéis em "When You Dance I Can Really Love" e "The Loner", essa última do seu primeiro disco, e totalmente remodelada para "Live Rust", onde as guitarras fazem as partes dos violões.
Trovôes e relâmpagos. É como imaginar um palco escuro, em que público espera por algo, e banda espera para explodir, mas não... Neil Young volta novamente ao violão para tocar um de seus lamentos mais profundos: "The Needle And The Damage Done", um drama musical sobre o que as drogas podem ocasionar, como a morte de seus amigo de Crazy Horse Danny Whitten (1972) e do roadie Bruce Berry (1973). Um momento para silenciar quarteirões.
"Lotta Love" acalma os ânimos com uma sensibilidade impressionante. Gravado naquele mesmo ano de '78 para seu disco "Comes A Time", ao vivo ganha sua definitiva versão ao lado da Crazy Horse, com belos vocais dando uma aurora boreal significativa depois dos lamentos citados da música anterior. "Sedan Delivery" é um ótimo pedido para quem quer abrir a porta com os dois pés no trinco, enquanto "Powderfinger", umas das mais belas, em minha opinião, supera a versão de estúdio, com os solos de guitarra de Young alcançando o céu com o sentimento à flor da pele em uma história tocante de Western.
O que falar de "Cortez the Killer"? É a personificação do conquistador espanhol Hernán Cortés em somente três acordes, mas com solos reflexivos e duração pra lá de longa. Perfeito!
Na estrada para Los Angeles com seu Cadillac 1949 nos idos de 1969-1970, Neil parou na pista por um instante, e um caminhoneiro o reconheceu, perguntando "quem é a Cinnamon Girl?". A resposta fica no ar, mas sua execução com as mizinhas das guitarras afinadas em Ré lhe dá uma atmosfera completamente diferente de muitos Folks Elétricos que se escuta por aí. "Like A Hurricane" começa suja, linda e heroica, com Ralph Molina entrando em instantes, como se tivesse errado o tempo, mas é isso que a torna uma das canções mais inesquecíveis e imortalizadas ao vivo da carreira de Neil Young. Seus solos faz o ouvinte ficar preso e refletindo sobre a possibilidade de se chegar em frente ao espelho e perguntar "isso é possível?".
"Hey Hey My My (Into the Black" é a eletricidade explosiva daquela que de outrora Young bradou aos ventos um hino ao Rock, mesmo assim perdendo em partes para o lado acústico dessa mesma composição. "Tonight's the Night" encerra esse clássico com chave de ouro. Muito melhor daquela de 5 anos atrás (detalhe: Tonight's the Night foi gravada em 1973, mas lançado em 1975).
O álbum "Live Rust" atingiu a posição de número 55 nas paradas do Reino Unido e a 15 nos Estados Unidos. "Live Rust" é a história registrada dos tempos áureos desse canadense que passou por álbuns ok, medianos e excelentes. A chama continua acesa e se você gosta de sujeira da boa, esse trabalho é o que há.
Agradeço até hoje por Neil Young ter dado de ombros ao lhe questionarem nos anos setenta: "O por quê que você toca com a Crazy Horse? Eles não sabem tocar". A alma dele soube explicar e, graças a isso, temos esse clássico à disposição de nossos tímpanos.