Por Valdir Junior
Esta é a trilha sonora criada por Miles Davis para o filme documentário de William Cayton sobre Jack Johnson (1878 –1946), o primeiro negro campeão mundial de pesos-pesados. Este também é um dos trabalhos mais transgressores da carreira de Miles. Vindo de dois grandes álbuns (“In A Silent Way” e “Bitches Brew”) em que fez uma transição de um Jazz mais cool e moderno, para um som mais elétrico e voltado para o mercado, com grande influência do Rock, principalmente de músicos que ele passou a admirar como Jimi Hendrix e Sly Stone (Sly & The Family Stone).
Gravado com um time de músicos de fazer inveja a qualquer banda: Steve Grossman (saxophone soprano); John McLaughlin (guitarra); Herbie Hancock (órgão e piano elétrico); Michael Henderson (baixo elétrico); Billy Cobham (bateria) e o próprio Miles Davis no Trompete, em duas grandes “jam sessions”, realizadas no início de 1970, com Miles dirigindo e conduzindo os músicos em suas performances.
As duas únicas e grandes faixas do álbum fazem o movimento contrário dos dois álbuns anteriores, enquanto “In A Silent Way” e “Bitches Brew” fazem a ponte do Jazz para o Rock, flertando e usando elementos desse para incorporar ao jazz, em “A Tribute to Jack Johnson”, Miles faz um Rock com intenções e estruturas jazzísticas, elevando a um outro grau de improvisação e tema, coisas que bandas como o Cream, The Who, Led Zeppelin e Jimi Hendrix vinham fazendo naquela final dos anos 60.
Um grande mérito também deve ser dado a Téo Marceno (1925 – 2008) produtor do álbum, que após Miles ter acabado de gravar as faixas pegou toda essa matéria bruta e usando o estúdio como um instrumento musical (como já fazia George Martin com os Beatles) editou e montou as várias performances em duas distintas faixas: “Right Off” e “Yesternow”. Tudo é claro, com a total aprovação e consentimento de Miles Davis (para os mais completistas e curiosos, foi lançado em 2003 “The Complete Jack Johnson Sessions”, uma caixa com 5 CDs com todo o material gravado para as sessões do álbum).
“Right Off” a faixa de abertura, tem a guitarra de John McLaughlin (Mahavishnu Orchestra, Shakti) como fio condutor, usando os famosos “powerchords” (acorde usados na guitarra, onde se toca a Tonica e a 5 Justa de uma nota) que os roqueiros muito usam e o trompete de Miles pontuando também de forma pesada e crua a música. O baixo de Michael Henderson e a bateria de Billy Cobham fazem a cama perfeita, cheia de groove e em certas partes com uma levada bem funk. A música em si quase que como em uma luta de boxe alterna momentos de ataques pesados, agitação, passagens rápidas e partes mais calma como num ringue onde os dois opositores se estudam para depois se lançarem ao duelo.
“Yesternow” é bem mais calma que a faixa anterior, mais contemplativas e minimalistas, com John McLaughlin usando e abusando do seu pedal wah-wah criando climas e texturas para que Miles Davis brilhe em toda a extensão da musica com notas e as vezes longas as vezes curtas e que em certos momentos chegam a duelar junto ao piano/órgão de Herbie Hancock. Ao final dessa faixa Téo Marceno acrescentou o ator Brock Peters falando: "I'm Jack Johnson, heavy-weight champion of the world. I'm black. They never let me forget it. I'm black all right. I'll never let them forget it” ("Eu sou Jack Johnson, campeão peso-pesado do mundo. Eu sou negro. Eles nunca me deixam esquecer que eu sou negro bem que eu nunca vou deixá-los esquecer....”).
Depois desse álbum Miles Davis iria cada vez mais radicalizar seu som (essa é chamada sua fase elétrica), que continuaria em outros álbuns como o grande “On the Corner”, algumas vezes acertando, outras nem tanto, mas como saldo positivo a partir desse álbum e dos anteriores, um público maior começou a prestar maior atenção e a consumir sua música, como essa era a intenção de Miles ao cruzar essa linha tênue do Jazz e de não se transformar em uma peça de museu e continuar produzindo e rompendo mais barreiras (estéticas/sonoras/étnicas), “ATribute to Jack Johnson” foi um elo importante disso tudo, a partir daqui mais músicos de Jazz e Rock (Frank Zappa, o próprio Herbie Hancock por exemplo), começaram a explorar os caminhos e a fusão dos dois estilos e a de outros mais, no que acabaria se tornando o Jazz Fusion.