Resenha do Cd Ciranda Mourisca / Alceu Valença

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CIRANDA MOURISCA
ALCEU VALENÇA
2009


Por Cyro Salgado

Nem todo Alceu é Valença”, constatou Oswaldo Montenegro, ao homenagear o colega, há três anos. Ele estava certo. De fato, poucos alceus têm talento, obra e coragem bastantes para bancar um álbum como o que Valença acaba de lançar. Em Ciranda Mourisca , o poeta pernambucano resgata alguns lados B compostos e gravados ao longo de 35 anos e veste-os com arranjos pautados por um ousado sotaque árabe, acústico e, claro, nordestino. Estranho? Não…

Desde o título, Ciranda Mourisca realça a forte relação entre o Nordeste e o Oriente. Em Deusa da Noite - pérola pescada do álbum Molhado de Suor , de 1974 - Alceu agrega com leveza as influências ibéricas, mouras, aos ares pernambucanos da canção. Uma proposta coerente, que também surge clara em Pétalas e Amor Que Vai - ambas do excelente Maracatu, Batuques e Ladeiras , de 1994. Na toada Loa de Lisboa , Portugal aparece com força, seja no arranjo ou no melancólico e maravilhoso quadro, desenhado pelo poeta pernambucano. “Chove, chove, chuva fria, chove na Cidade Alta.”

Mestre no uso da metáfora e da metalinguagem, em Ciranda Mourisca , Alceu abusa das imagens. Há algo de onírico no álbum, que celebra Íris , a mensageira dos deuses, e compara a ganância e o progresso a um Dente de Ocidente “vomitado pelo mar”. Em Sino de Ouro , ao traçar um rascunho, o inteligente pernambucano compõe, quase sem querer, uma toada com cores de arte final. “Hoje eu queria fazer um poema, com pena dos versos de chumbo que faço”, canta o autor. “Um poema azul, um poema marinho.”

Como um poeta só não faz ciranda, Alceu faz questão de invocar “São Jorge Amado”, em Chuva de Cajus , Drummond e Buñuel, em Maracajá , além de Pessoa, em Loa de Lisboa . Assunto de qualquer pena que se preze, a mulher aparece sempre idealizada nos quadros do autor - assim como o amor e o sexo. Em Mensageira dos Anjos , o objeto de desejo surge como uma estrela cadente, que “entrou na minha morada, bebeu da minha saliva, saiu e não disse nada”. Uma imagem que ganha sensualidade, em Molhado de Suor , e encerra o álbum plena e folclórica, em Ciranda da Rosa Vermelha .

Composto por canções que, quando lançadas, não chegaram a flertar com as FMs, Ciranda Mourisca surpreende quem espera ouvir versões de Tropicana , Tomara ou Anunciação . Ele pode não ser o álbum de inéditas esperado pelo público, mas tem tanta qualidade quanto Estação da Luz , Leque Moleque e Andar, Andar . Lançado pela Biscoito Fino no início do ano, o disco não faz concessões ao mercado e nem busca cifras. Poeta nato e honesto, Alceu sabe o que quer fazer e faz. Música popular indiscutivelmente brasileira.

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Retirado do site Site PALCO BR

Resenha Publicada em 26/03/2009





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