Resenha do Cd The Decca Tapes / Beatles, The

THE DECCA TAPES title=

THE DECCA TAPES
BEATLES, THE
2014

DISCOBERTAS
Por Valdir Junior

Hoje, é até difícil imaginar o cenário da música ocidental do século XX sem a música dos Beatles e toda a sua criatividade, energia, rebeldia e atemporalidade. Mas no início de 1962 essa possibilidade chegou bem perto de acontecer, quando o teste arranjado por Brian Epstein (o então “novo” empresário da banda) junto à gravadora Decca foi feito e recusado pelos executivos da gravadora que não se empolgaram com o som dos rapazes e justificaram isso com uma frase impagável: “Grupos de Rock com guitarra em breve estarão fora de moda”.

O destino e a história (e milhões e milhões de cópias pelo mundo todo) mostraram a eles o quanto estavam errados. Em Julho de 1962 após serem recusados por outras gravadora inglesas (Pye, Columbia, HMV e EMI) os Beatles acabariam assinando um contrato de gravação com a Parlophone (um selo da EMI) dirigido pelo produtor George Martin. Nos próximos oito anos os Beatles (já com Ringo Starr na bateria, substituindo Pete Best) transformariam toda uma geração e a face da música para sempre.

Durante muito tempo o famigerado e histórico “teste” da Decca só foi possível ser encontrado nas centenas de bootlegs que surgiam nos meados da década de 1970 e por um curto período “oficialmente” no mercado internacional a partir de 1982. Mais tarde algumas dessas faixas estariam presentes no Anthology Vol.1 lançado em 1995, atualmente, aproveitando uma brecha nas leis Européias com relação aos direitos de fonogramas gravados em 1962, o famoso “The Decca Tapes” volta novamente em circulação pelo mundo todo inclusive pela primeira vez aqui no Brasil.

Uma coisa que se percebe ao escutar esse álbum é que em comparação ao som e a energia que viríamos a conhecer como marca registrada dos Beatles nos seus primeiros álbuns (“Please Please Me” e “With The Beatles”) as performances de John, Paul, George e Pete Best nestas gravações da Decca ficam aquém das realizadas na EMI. Algumas pessoas (incluindo aí John Lennon) culparam Brian Epstein pela escolha de repertório relativamente fraco, mas que abrangia todos os aspectos da dinâmica do som e repertório de shows da banda na época.

Talvez o próprio nervosismo dos Beatles e a situação inusitada de gravar o teste logo na manhã de ano novo de 01/01/1962, ajudaram o clima e o empenho da banda a não ser bem uma representação do som que eles conseguiam nos palcos. Um bom exemplo disso são as versões de “Money” e “Till There Was You” que são bem fracas perto das lançadas já na EMI; e os casos de “Memphis Tennesse” e “Sure to Fall (In Love With You)” que encontramos nas gravações da BBC em performances cheias de energia e vontade.

Interessante notar que tanto nas gravações realizadas na Alemanha com Tony Sheridan em 1961, como as “sujíssimas” gravações no Star Club em 1962, mostram toda a energia selvagem que mais tarde veríamos se desenvolver nos álbuns oficiais da banda, o que deixa ainda mais em evidência a falta das mesmas qualidades nesse “The Decca Tapes”. John é o Beatle em que as interpretações vocais parecem mais afetadas pelo nervosismo da situação, muito do potencial que conhecemos de sua voz quase nada aparece aqui, ao contrário de Paul que mesmo nervoso ainda conseguiu uma boa interpretação de, por exemplo, “Searchin”, George também se saiu bem nas músicas em que fez o vocal principal.

Das quinze faixas gravadas no teste e presentes no “The Decca Tapes”, seis se destacam: “The Sheik Of Araby”; “Three Cool Cats”; “Crying, Waiting, Hoping”, cantadas por George e “Searchin”; “Besame Mucho”; “September In The Rain”, cantadas por Paul, são as que mais perto chegam do clima que veríamos a conhecer. As três composições de Lennon/McCartney presentes: “Like Dreamers Do”, “Hello Little Girl” e “Love Of The Loved” são boas, mas também são um trabalho menor perto do que a dupla faria dali a um ano.

O saldo final do álbum é bom, e vale como registro histórico, mas fica a dúvida, será que se os Beatles tivessem sidos aprovados pela Decca, a mesma teria um produtor como George Martin, que perceberia o potencial da banda e desenvolveria isso como Martin fez na EMI? Algumas vezes na vida receber um “não” em um momento, pode (e muito) definir o futuro de alguém para algo muito melhor no futuro. Para os Beatles e para o mundo da música talvez devêssemos agradecer pela negativa dada pela Decca a John, Paul, George e por que não também a Ringo.

Resenha Publicada em 30/06/2014





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