Resenha do Cd Nheengatu / Titãs

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NHEENGATU
TITÃS
2014

SOM LIVRE
Por Felipe Lucena

Salvo alguma evolução econômica e certos avanços sociais, o Brasil pouco mudou dos anos 1980 para cá. Velhos problemas continuam constantes e parecem sem solução - as frequentes manifestações, greves e protestos que ocorrem pelo país não são em vão. Dos anos 1980 para cá, o Titãs tomou alguns caminhos musicais. Entretanto, o pulso crítico e as principais virtudes da banda nunca pararam completamente - apesar de trabalhos bem abaixo da média, como Sacos Plásticos (2009) – de pulsar. Para a sorte de quem gosta do bom rock feito em terras tupiniquins e para o azar de quem vive nas mesmas terras, o velho Titãs se reencontrou com o velho Brasil. O resultado foi o ótimo disco Nheengatu, lançado no iTunes no último dia 19/5 e disponibilizado também no canal oficial da banda, no YouTube. Um álbum pesado, com letras de protestos - coisa que quase ninguém tem feito apesar de não faltar motivo – muito bem produzido por Rafael Ramos, frisando o que a histórica banda de São Paulo tem de melhor e o que o Brasil tem de pior.

A música que abre o disco "Fardado", de certa forma, resume o álbum em uma figurinha, figurinha repetida na trajetória da banda. Isso porque a canção leva o ouvinte imediatamente para a letra do clássico "Polícia", que assim como a faixa de abertura do Nheengatu não tem força poética, mas ganha no grito das críticas, aparentemente bobas, mas que são capazes de levantar multidões. Na sequência, menos porrada sonora, no entanto, os chutes e pontapés seguem nas palavras de “Mensageiro da Desgraça” (um baião enrockado) e “República dos Bananas” (quase um ska), remetendo aos trabalhos do conjunto que tiveram misturas regionais.

"Fala, Renata”, "Cadáver Sobre Cadáver" e “Canalha" (uma regravação de Walter Franco) retomam o rumo do rock n roll cru. A primeira é direcionada a quem “fala demais por não ter nada a dizer”. Polêmicas à parte, há quem diga que o principal alvo é Lobão, que ultimamente vem sendo criticado por suas opiniões divulgadas em redes sociais. "Cadáver Sobre Cadáver" é mais uma análise da violência no Brasil: "Morre quem mereceu e quem não merecia/ Morre quem viveu bem e quem mal sobrevivia". A canção de Walter Franco cai como uma luva - ou uma pedra. "É uma dor canalha que te dilacera/ É um grito que se espalha/ Também pudera".

A faixa seguinte, "Pedofilia", tem a melhor letra do álbum. Uma dura reflexão sobre um grave problema, infelizmente muito frequente em nosso país e em nosso mundo. "Chegada ao Brasil (Terra à Vista)" deixa clara a ideia de que nossos embaraços são antigos. Bem antigos. "Eu Me Sinto Bem" soa como uma ironia, mirando quem acredita que o país evoluiu o suficiente nos últimos anos. Em "Flores Para Ela" a voz de Miklos grita contra o machismo, questão que, com justiça, ganhou espaço nas discussões sociais de uns tempos para cá. O que “Não Pode" tem de melhor é a bateria de Mário Fabre, que faz um solo que tira qualquer tio de 50 e poucos anos do comodismo do sofá.

Já "Senhor" tem como alvo as igrejas que visam tirar dinheiro dos fieis. Para fixar o clima roqueiro rebelde do trabalho, "Baião de Dois" vem com uma aparência adolescente, alguns palavrões, porém, acompanhada pela boa guitarra de Belotto e frases marcantes, pode fazer muito estrago por aí. "Quem são os Animais?" parece uma crítica rasa. Entretanto, com um discurso direto, na lata, a vibração de Britto nos vocais fala contra discriminações inadmissíveis que estão embaixo dos nossos narizes e mesmo assim não nos livramos delas.

De acordo com a banda, "Nheengatu” é uma palavra indígena que significa língua geral – “reunião” que os jesuítas fizeram no século XVII dos diferentes dialetos indígenas brasileiros para que nativos e portugueses se entendessem melhor. Os Titãs mostraram que entendem o país que vivem. Afinal, muita coisa errada acontece aqui "desde os primórdios até em dia".

Cabe um adendo: ouvir o disco no Youtube pode causar certo desconforto. Isso porque entre um vídeo e outro deve surgir a propaganda de um banco, que enaltece a Copa do Mundo (que serviu de gancho para muitos protestos no Brasil recentemente) e que tem Paulo Miklos cantando uma mensagem positiva, em prol do evento, ao lado de Fernanda Takai. As críticas e as conspirações a cerca desse assunto vem ganhando espaço nas redes sociais. Alguns defendem que é incoerente Miklos gritar em um disco de protesto após ter participado de tal peça publicitária. Outros (mais conspiratórios) alegam que o "álbum nervoso" não passa de uma jogada dos Titãs para limpar a barra de Paulo. Cabe ao ouvinte refletir sobre o assunto e decidir se isso interfere ou não na audição do ótimo disco feito por Paulo Miklos e seus companheiros de banda.

Resenha Publicada em 20/05/2014





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