Resenha do Cd Araçá Azul / Caetano Veloso

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ARAÇÁ AZUL
CAETANO VELOSO
1973

UNIVERSAL MUSIC
Por Pedro Martins

Araçá Azul exige de seu comentador perspicácia auditiva e mobilidade de critérios, uma vez que apresenta duas facetas quase independentes que se alternam ao longo do disco: o trabalho experimental e o ciclo de canções. O experimentalismo constitui o cerne do álbum e se divide em duas abordagens distintas: o concretismo, estetização da fala e de ruídos cotidianos, e o minimalismo, maximização de elementos harmônicos, melódicos e poéticos.

“De conversa” e “De Palavra em Palavra” capturam a poesia e a musicalidade do barulho e do discurso, caótico em sua essência, por meio da superposição de vozes e texturas conflitantes. Essa técnica faz com que, a cada audição, atentemos para elementos diferentes que saltam à percepção, reforçando o lugar do ouvinte no processo de escuta. “Gilberto Misterioso”, por sua vez, esgota as possibilidades de variação sobre um tema musical simples a partir de um verso curto construído com aliterações. “Sugar Cane Fields Forever” traz uma bela suíte de poesia concreta, cantos populares, percussões, arranjos orquestrais e fragmentos de canções acompanhadas pelo violão de Caetano Veloso. Não apenas por sua duração, mas pela combinação de várias formas experimentais, a faixa, cujo título remete à representativa canção de John Lennon, pode ser considerada a síntese da abordagem experimental em Araçá Azul. Do lado das canções, não há tanto o que dizer: a bossa “Júlia Moreno”, apesar de bem construída, fica muito presa à estética joão-gilbertiana; “Tu Me Acostumbraste” é uma boa leitura da canção de Frank Dominguez, mas ainda não apresenta o primor interpretativo que seria desenvolvido por Veloso posteriormente no formato voz-violão; “De Cara”, talvez o ponto alto dessa parte, traz a energia do rock e uma citação de “Eu Quero Essa Mulher”, de José Batista e Monsueto Menezes, cuja irreverência dos versos, aliada ao arranjo inquietante, resulta em uma boa faixa.

É difícil encontrar um padrão de sonoridade em Araçá Azul, pois suas abordagens distintas demandam formatos instrumentais não menos diversos. As faixas de experimentação concretista possuem apenas vozes e ruídos, enquanto “Viola, Meu Bem” apresenta o canto acompanhado unicamente de percussão. Já “Épico” traz a roupagem concreta aliada a passagens orquestrais; e a híbrida “Sugar Cane Fields Forever”, conforme dito anteriormente, alia tudo isso à instrumentação convencional voz-violão-percussão. Ademais, destacam-se as guitarras na bossa “Júlia Moreno”, talvez o único elemento que a afasta de João Gilberto.

Araçá Azul se distingue mesmo por seu caráter experimental. O emprego de ruídos e conversas, manipulados em seu potencial estético, evidencia a atitude do artista de buscar novas formas de expressão, problematizando a restrição da música popular ao âmbito do entretenimento. Como tantos trabalhos de ruptura, Araçá Azul não possui o refinamento e a lucidez que separam o aventureiro, aplicado e bem-intencionado, do mestre, consciente e capaz de dominar satisfatoriamente seu objeto. Além disso, falta-lhe coerência interna, uma vez que o ciclo inexpressivo de canções, desconcertante no contexto do disco, poderia dar lugar a peças mais consonantes com sua proposta artística.

Resenha Publicada em 01/05/2012





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