Resenha do Cd Exile On Main St. / Rolling Stones, The

EXILE ON MAIN ST. title=

EXILE ON MAIN ST.
ROLLING STONES, THE
1972

UNIVERSAL MUSIC
Por Rafael Correa

“Exile on Main St.” possui uma significação muito ampla, incapaz de ser compreendida com algumas dezenas de audições. Talvez, “Exile...” seja o último álbum feito literalmente à mão, ainda que este título, via de regra, recaia sobre o violento “Apetite for Destruction”. No entanto, dizer que este disco foi feito à mão não significa apenas evidenciar a sua crueza, ou ainda, rusticidade, mas também indicar que, acima de tudo (inclusive das circunstâncias que o ensejaram), “Exile on Main St.” é uma prova da incrível capacidade criativa dos Rolling Stones.

Em 1972, toda a cena cultural-musical passava por uma reestruturação. O Led Zeppelin já havia provado que seria uma banda eterna pela sua criatividade e (parcial) originalidade; os Beatles, talvez o maior grupo que esse mundo já viu, estava a se encerrar; e os Stones, beiravam, literalmente, à falência. Resultante de malogrado contrato e os densos impostos cobrados na Inglaterra, a banda viu a necessidade de “recomeçar”. O local escolhido: um antigo reduto nazista, em Vile Nellcote, na costa francesa. Lá, os Stones mergulhariam no inferno, e dele, surgiria uma de suas incontestáveis obras primas.

A rusticidade de “Exile on Main St.” se evidencia já na metodologia da gravação: com dificuldade de encontrar um estúdio satisfatório, os Stones utilizaram um pequeno estúdio móvel, com equipamentos para gravação, e o trouxeram até a famigerada mansão de Keith Richards. A visão era caótica: de fora da casa, até o porão (local escolhido como “estúdio”), estendiam-se uma miríades de cabos, isso sem contar que a comunicação era amplamente dificultada pela distância do “caminhão estúdio” do já citado porão. Ademais, com todos os integrantes morando juntos (Richards, Jagger, Charlie Watts, Bill Wyman e Mick Taylor, sem contar que Jagger recém casara-se e Richards contava, também, com sua esposa e filho) e um verdadeiro estoque de drogas, era de se esperar a criação de qualquer coisa, menos um disco. Ou melhor: um disco que salvasse a carreira dos Stones.

Mas “Exile...” provou ser capaz de alçar a banda às alturas. Todas as 18 canções originais do álbum apresentam uma surpresa a quem o houve, e não se trata de exagero. Há 38 anos o termo “variável a descobrir” se encaixa como uma luva neste disco. Jack White, conhecido por suas breves palavras, foi categórico ao afirmar que “Exile...” põe em cheque a carreira do mais estudioso jornalista, justamente por não haver como rotular o disco: “Exile on Main St.” converge em mais de 15 direções diferentes, sem nunca perder sua essência.

“Shake Your Hips”, “Loving Cup” e “Sweet Virginia” são insofismáveis exemplos dessa miríade de influências que permeia o disco. “Shine a Light” é uma sublime demonstração da límpida e insculpida beleza poética, que raras vezes fora exposta de modo tão “nu” como nessa canção.

O jogo de palavras em “Tumbling Dice” comprova também o caráter de “manufatura” do disco. Enfim, todas essas qualidades fazem de “Exile on Main St.” Um incrível exemplar da arte da música, do rock n’ roll e da magistral capacidade dos Stones em brincar com as palavras e fazer canções como quem se entorpece ou faz amor.

No último dia 18 de maio, o mundo foi brindado com o relançamento do disco, acrescido de material inédito, fruto de horas e horas de audição das master tapes originais da gravação do álbum, feitas pelos produtores Jimmy Miller, Glimmer Twins e Don Was. Para se ter uma idéia da importância deste fato, uma das canções inéditas (“Pass the Wine”) estava inacabada quando Don Was a encontrou, consubstanciada, até aquele momento, como um punhado melódico e harmônico demasiadamente vago. Jagger inseriu, 37 anos depois, letra e voz à canção, enquanto Keith aparou as arestas das seis cordas originalmente gravadas.

O Box limitado de “Exile...” também traz canções originais em takes com letras alternativas, como “Soul Survivor” e “Loving Cup”. Enfim, àqueles que amam e colecionam os Stones, eis aí um item indispensável na coleção.

Enfim, a complexidade simplória de “Exile on Main St.” é, certamente, o seu maior charme. Iniciamos estas singelas linhas dizendo que, talvez, este seria o último álbum feito literalmente à mão, tal qual uma rendeira preocupa-se displicentemente em entrelaçar suas linhas. Esta é a beleza do disco: os Stones sabiam que precisavam de uma salvação e, ao invés de empenhar-se, ignoraram os riscos. Em meio à fumaça de haxixe, doses de heroína tingidamente rosa e choros de crianças, os Stones construíram e encaixaram, peça à peça, a formatação de cada uma das canções.

Com as mãos ébrias eles encontraram a firmeza para delinear poesia, música e insatisfação. Uma pena que, na história da humanidade, este dom seja reservado a pouquíssimos artistas. Hoje, por certo, isso é o que mais nos falta. Que isto sirva de exemplo para, a cada dia, admirarmos ainda mais a obra dos Rolling Stones.

Resenha Publicada em 11/06/2010





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